Afiacao quase inacreditavel
Marcenaria

Afiacao quase inacreditavel


Nao sera por nada que os aprendizes do sashimono — a arte japonesa de construir somente com encaixes, sem cola ou quaisquer fixacao mecanica — passam seu primeiro semestre de treinamento exclusivamente no aprendizado de afiar seus ferros. Uma das tantas coisas que se aprende com o uso de ferramentas manuais em marcenaria e' o valor da afiacao, na facilidade de executar e na qualidade resultante nos trabalhos.


Feita essa inescapavel constatacao, meu progressivo aprendizado pessoal de afiacao iniciou-se com o uso de jigs para garantir angulos corretos, passando pelas tecnicas com lixas, entao pedras e finalmente com a aquisicao de um Tormek T-7 (incluindo uma postagem aqui no blog sobre o assunto). Nunca cheguei, nem planejo chegar, ao ponto de transformar afiacao em uma obsessao; com a facilidade e a qualidade oferecidas pelo uso do afiador sueco, tenho mantido meus brinquedos de cortar consistente e permanentemente muito bem afiados. Mas sem duvidas nao e' exagero afirmar que — salvo excecoes que confirmam a regra — nenhuma ferramenta de corte jamais estara afiada demais.

Como ja mencionei varias vezes, nao sou marceneiro. Sou e' curioso.
E, fruto dessa curiosidade, furungando informacoes na Teia deparei-me com uma tecnica de refinamento de fio de laminas com a utilizacao de pasta diamantada.

Essencialmente consiste em colocar-se um pouco de pasta diamantada sobre um substrato e entao polir-se o fio da ferramenta.

O substrato varia; ha quem recomende utilizar couro. O couro tem a vantagem de embeber-se bem com a pasta e, sendo macio, nao lesar o fio quando porventura houver um tranco. O problema e' que o couro e' suficientemente macio para que a ferramenta 'mergulhe' em sua espessura, resultando um pequeno, mas mensuravel, e sensivel, arredondamento do fio.


Algumas empresas, reparando no progressivo emprego dessa tecnica de refinamento da afiacao tem oferecido placas metalicas desenvolvidas especialmente para essa finalidade. Estas tem a vantagem de ser perfeitamente planas, ter  dimensionamento padrao e sao texturizadas para receber a pasta diamantada em uma superficie homogenea e retentiva para a pasta e, sendo rigidas, nao tendem a arredondar o fio; antes pelo contrario permitem um raio extremamamente curto ou, em outras palavras, um fio extremamente agudo na ferramenta. O problema aqui e' que, apos o uso, a pasta tem de ser removida e a placa limpa com solvente para evitar as ranhuras que retem a pasta se 'entupam' quando a pasta ressecar e com isso se reduza a eficiencia do sistema. Alem disso, costumam custar caro, e so estao disponiveis 'la fora'. E um tranco pode 'marcar' o fio da lamina sendo afiada.

Ainda uma outra opcao de substrato e' utlizar madeira. De preferencia uma madeira dura, com veios retos e, claro, bem plana. MDF, a proposito, se presta bem. Suficientemente rigida para nao arredondar o fio, suficientemente porosa para reter a pasta e permitir seja re-usada simplesmente adicionando umas gotas de oleo ou querosene se porventura secar. Facil de encontrar, de dimensionar e custo praticamente zero. Um tranco levanta um pedacinho, nada serio. Nao por acaso, e' a opcao mais utilizada. E foi, claro, a opcao que escolhi para testar o metodo...

Reparem as marcas de trancos na superficie das taboinhas de itauba que eu uso.
Acontece. Mas nao chega a ser um problema...

A pasta diamantada, uma emulsao de finissimos graos de diamante em um veiculo oleoso, e' relativamente facil de encontrar,como por exemplo em lojas especializadas em abrasivos industriais, ou em lojas dentarias (e' utilizada para, por exemplo, polir proteses), como ainda em inumeras lojas online Teia afora. A apresentacao usual e' em seringas contendo 2g da pasta, ao custo de aproximadamente R$ 10 cada uma. Imagino deva durar, cada uma, ao redor de um ano, com uso algo intenso. Uma tirinha de 2cm serve para duzias de laminas, literalmente.

Recomenda-se utilizar tres granulometrias: 6µ para remover os arranhoes, 3µ para o polimento basico e 1µ para polimento espelhado.

O processo de emprego e' a propria simplicidade: Apos afiar a lamina pelo processo usual, seja qual for, passa-se o bizel na tabua com grao mais grosso, 6µ, tal como se fosse uma pedra de afiar comum, ate remover-se as linhas e obter-se uma superficie lisa. Isso e' surpreendentemente rapido, nem par de minutos mesmo com aco duro.

Cuidando de remover totalmente qualquer resto de pasta que tenha ficado na lamina ou nas maos para nao contaminar a proxima 'pedra', repete-se entao o processo com o grao intermediario, 3µ, ate obter-se brilho. Coisa de umas dez passadas, nao mais, usualmente.

Finalmente, depois de outra vez limpar cuidadosamente a peca e as maos para remover toda a pasta, passa-se para a 'pedra' com grao fino, 1µ, e repete-se o processo ate obtencao de um brilho realmente espelhado. Outra vez, uma dezena de passadas e' suficiente. Diamante realmente corta!

O resultado final, alem do espelhamento que chama a atencao, e' um fio inacreditavel. Assustador mesmo!

Realmente, so vendo para crer. Eu sou dificil de surpreender, mas fiquei espantado. Apenas um exemplo, colocando o bordo de uma folha de papel de frente, em cruz com um formao com angulo de bizel a 30° e empurrando o papel de leve contra o formao, ele nao dobra. O formao entra no papel como faca quente em manteiga. So vendo, mesmo...

Nao e' exatamente barato, da um certo trabalho, demanda um certo treino. E' bem verdade.

Mas o resultado e' mais que espetacular. E dura. E dura. E dura!...

Recomendo.

Vivamente!






loading...

- Afiando Formoes E Plainas - V (como Eu Faco - 1)
Acho que embora o proposito a atingir seja o mesmo — obter um fio agucado na ferramenta pelo cruzamento de dois planos lisos e polidos — pode-se dizer sem medo de errar que cada afiador tem um jeito seu, pessoal, de atingir esse objetivo. Mas quando...

- Afiando Formoes E Plainas - Iv (pedras De Amolar)
Como mencionado, o emprego da tecnica das lixas e placa de vidro e' perfeitamente capaz de produzir laminas tao bem afiadas quanto necessario ao bom uso de formoes e plainas. No entanto com a continuidade de seu uso, especialmente quando o volume...

- Afiando Formoes E Plainas - Ii (guias De Afiacao)
O metodo de afiacao scary sharp mencionado na postagem imediatamente anterior certamente funciona e pode muito bem ser suficiente para atender todas as demandas de um hobista, ou mesmo de profissionais que pouco empreguem ferramentas de corte manuais....

- Afiando Formoes E Plainas - I (afiando Com Lixas)
Afiar e' preciso. So para dar uma ideia de quanto e' preciso, tirar uma temperatura digamos, vejam que aprendizes do sashimono — a milenar arte japonesa de marcenaria fina — antes de sequer tocar em madeiras sao iniciados no longo curso de...

- O Fio Da Navalha
Nao que eu procure pretextos para nao usar maquinas, antes pelo contrario! Adoro de paixao brincar com maquinas. Mas na medida que comecei a usar mais frequentemente ferramentas manuais — como formoes, plainas, serras, etc. — fui constatando nao raras...



Marcenaria








.